domingo, 16 de março de 2008

Sobre luzes e tristezas

Lá estava ela, habitualmente aproveitando a madrugada pra alimentar sua insônia e eis que toca o interfone.

Era ele, foi deixar o dvd do filme preferido dela. Disse que precisava vê-la, que não aguentava de saudades, que era uma necessidade... ela nunca entendeu porque ele faz isso. Que estranha necessidade é essa?! Perguntava-se se era pena, se foi checar se ela tem se alimentado direito, como ele costumava recomendar e ela simplesmente odiava essa piedade de quem acha que tem o controle nas mãos.

Bem... Agradeceu. Mas, olhou-o e não o reconhecia. Não era ele. Era a alma. Alguma coisa nele ela não reconhecia. Abraçaram-se tristes. Olharam-se nos olhos, incompreendidos. Talvez ele também já não a reconhecesse. Era como se fossem dor, ela e ele. Montes de destroços um do outro. Ela olhava e via uma dor, uma dor como a dela. Inevitável sensação de fracasso.

Ela começa a achar que, na verdade, ele gostaria de amá-la como antes, devia ser isso! Acha que ele lamenta muito... sim, lamenta, por isso pede tantas desculpas. Por isso não diz quase nada além disso, só olha. Talvez porque, na época do rompimento, ela tenha perguntado muito quando foi que se perderam um do outro. Ela quase exigia saber, talvez isso diminuísse sua sensação de impotência e quisesse correr pra tentar consertar. Ela e sua mania de querer resolver tudo, de fazer tudo pelas coisas que quer, de ser a pró-ativa "da estrela"! Pra pessoas assim, uma história dessas tem uma repercussão catastrófica. É a velha história de não saber se adaptar a situações que lhe são impostas. E ela quis muito resolver tudo de alguma forma. Como não conseguia, ela, no auge do seu desespero, praticamente exigia uma explicação do momento em que o amor cambaleou, fez pluft e morreu. Tentava descobrir o quão longe estavam um do outro a cada data especial que passavam distantes, mesmo estando tão perto fisicamente. E se existia algum ponto lá na frente em que iriam se ver de novo inteiros. Ou se apenas se olhariam nos olhos, solidários e se abraçariam, cúmplices de suas ineficiências. Então se reconheceriam: ela e ele, montes de lindos souvenirs um do outro.

E tudo à tona de novo. Todos os "porquês" mal respondidos, todas as mágoas latentes. Ao menos agora sem aquela fase em que ficava de camisola o dia inteiro, se achando a mulher mais feia do universo, comprando compulsivamente os filmes do Woody Allen pra sentir que alguém é parceiro da neuroses dela. Sim, ela tá melhor, mas sabe que nela o tempo toma a cor imprecisa de uma lucidez triste.

Não demoraram muito. Subiu. Pôs o filme pra assistir. Chorou, chorou, chorou. Perguntou-se por que a vida não acontece como nos filmes. Ela se pega sempre à espera de um final feliz, que nunca chega. Emociona-se com cenas idiotas. Sente raiva. Lembra de quando ele disse, rindo, que, pra ele, ela não precisava fingir, pois não estavam diante de uma câmera. Ele conhecia cada gesto, cada maneira de olhar e disfarçar. Naquela hora, ela só desejava com todas as forças conseguir tratá-lo como qualquer outra pessoa. Olhá-lo e não querê-lo de volta. Esquecer das tantas afinidades que existiam e que foram tão lindamente sendo descobertas por tanto tempo. Esquecer do grau de entendimento absurdo, até na hora do adeus.

Ela, a própria mocinha da comédia romântica - que canta feito louca enquanto dirige: "mas deve haver amor sem sangrar" - sendo que o tal príncipe pós-moderno de tênis All Star não enxerga o seu tão ofuscante valor, se consola pensando ironicamente no seu roteiro mal escrito: vai ver que o brilho é ofuscante demais mesmo!

Na verdade, ela sente muita vergonha de ainda se perceber tão frágil diante de uma tristeza avassaladora. É um vazio existencial que lembra sua pré-adolescência, quando sentia uma melancolia horrorosa, mas que depois passou e ela se transformou numa mulher com um senso de humor incrível, rá-rá-rá!

Pensa que o pior já passou. E ela já desistiu de tentar entender muita coisa. Devagar, devagarinho as respostas vão aparecendo dos lugares mais improváveis. Resta-lhe a surpresa.
Resta-lhe o incrível, o inesperado. Resta-lhe não restar.Ela chora, cansa e descansa.

E então resolve dormir. Dormir para apagar todas as luzes. As ofuscantes e as incandescentes, as de dentro e as de fora.

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