quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Falando nisso

A mesma sensação de acolhimento me vem quando escuto a voz do Chico e leio as coisas que Clarice escreve. Por sinal, dessa vez ela veio até mim através de um livro que eu ainda não conhecia, mas que era tudo o que eu precisava ler agora. A vontade que dá é de transcrever pelo menos as 20 primeiras páginas aqui, de tão perfeitas que são. Vou me conter e fazer o sacrifício de escolher uns trechos:

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A possíveis leitores

Este livro é como um livro qualquer. Mas eu ficaria contente se fosse lido apenas por pessoas com alma já formadas. (..)

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Como é que se explica que o meu maior medo seja exatamente em relação: a ser? e no entanto não há outro caminho. Como se explica que o meu maior medo seja o de ir vivendo o que for sendo? como é que se explica que eu não tolere ver, só porque a vida não é o que eu pensava e sim outra - como se antes eu tivesse sabido o que era! Por que é que ver é uma tal desorganização?

E uma desilusão. (...) Talvez desilusão seja o medo de não pertencer mais a um sistema. No entanto se deveria dizer assim: ele está muito feliz porque finalmente foi desiludido. (...)

No entanto na infância as descobertas terão sido como num laboratório onde se acha o que se achar? Foi como adulto então que eu tive medo e criei a terceira perna? Mas como adulto terei a coragem infantil de me perder? perder-se significa ir achando e nem saber o que fazer do que se for achando. As duas pernas que andam, sem mais a terceira que prende. E eu quero ser presa. Não sei o que fazer da aterradora liberdade que pode me destruir. Mas enquanto eu estava presa, estava contente? ou havia, e havia, aquela coisa sonsa e inquieta em minha feliz rotina de prisioneira? ou havia, e havia, aquela coisa latejando, a que eu estava tão habituada que pensava que latejar era ser uma pessoa. É? também, também.

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Dar a mão a alguém sempre foi o que esperei da alegria. (...) Essa coisa sobrenatural que é viver. O viver que eu havia domesticado para torná-lo familiar. Essa coisa corajosa que será entregar-me, e que é como dar a mão à mão mal-assombrada do Deus, e entrar por essa coisa sem forma que é um paraíso. (...) Por enquanto preciso segurar esta tua mão - mesmo que não consiga inventar teu rosto e teus olhos e tua boca. Mas embora decepada, esta mão não me assusta. A invenção dela vem de tal idéia de amor como se a mão estivesse realmente ligada a um corpo que, se não vejo, é por incapacidade de amar mais. Não estou à altura de imaginar uma pessoa inteira porque não sou uma pessoa inteira. E como imaginar um rosto se não sei de que expressão de rosto preciso? Logo que puder dispensar tua mão quente, irei sozinha e com horror. O horror será a minha responsabilidade até que se complete a metamorfose e que o horror se transforme em claridade. Não a claridade que nasce de um desejo de beleza e moralismo, como antes mesmo sem saber eu me propunha; mas a claridade naturaldo que existe, e é essa claridade natural o que me aterroriza. Embora eu saiba que o horror - o horror sou eu diante das coisas.

Por enquanto estou inventando a tua presença, como um dia também não saberei me arriscar a morrer sozinha, morrer é do maior risco, não saberei passar para a morte e pôr o primeiro pé na primeira ausência de mim - também nessa hora última e tão primeira inventarei a tua presença desconhecida e contigo começarei a morrer até poder aprender sozinha a não existir, e então eu te libertarei. Por enquanto eu te prendo, e tua vida desconhecida e quente está sendo a minha única íntima organização, eu que sem a tua mão me sentiria agora solta no tamanho enorme que descobri. (...)

A verdade não faz sentido, a grandeza do mundo me encolhe.

[A paixão segundo G.H. - Clarice Lispector]

terça-feira, 24 de novembro de 2009

E tu chegavas em casa, com asa

Esse blog me dá uma sensação de casa. Mesmo estando na estrada, abro essa página e me vem uma sensação de acolhimento. Deve ser porque aqui tem os meus retratos em forma de palavras, as minhas mil fases e mil faces, minhas mil e uma noites (insones!).
Em noites tristes como essa eu procuro esse abrigo que me faz olhar pra dentro e me ajuda a desvendar esse mar revolto de emoções que me invade, escorre, perfura e sai voando pela janela que não é minha.
Longe de casa qualquer um fica mais suscetível às dores, ainda mais estando numa cidade que foi parte de uma love story cheia de esperanças de dar certo.
Meus romantiquinhos genes cor-de-rosa devem carregar uma particular dificuldade em superar frustrações assim... Me ocorre que um "i love you" sai muito mais fácil que um "eu te amo", de uma intensidade visceral.
It is sad when you feel so strongly about a person but also feel strongly about the incompatibility.

sábado, 14 de novembro de 2009

A gente não sabe o lugar certo de colocar o desejo

Todo beijo, todo medo
Todo corpo em movimento
Está cheio de inferno e céu
Todo santo, todo canto
Todo pranto, todo manto
Está cheio de inferno e céu
O que fazer com o que Deus nos deu?
O que foi que nos aconteceu?

[Caetano Veloso - Pecado Original]

sábado, 7 de novembro de 2009

Everybody hates "forgeticídio"!

Por que ser esquecido nos atordoa tanto? Experimente perguntar pro cara que tá te dispensando: "então vc quer mesmo que eu te esqueça?", quase que automaticamente ele vai dizer "não!"
Parece que a gente quer sempre ter uma frestinha na porta pra entrar a hora que der na telha. É cômodo, é confortável a disponibilidade. E os dois ficam se olhando através da fresta sem saber direito o que fazer. Se decidir entrar, feche a porta, please.