terça-feira, 27 de maio de 2008

Catecismo de devoções, intimidades & pornografias, por Xico Sá

O post vai ser longo, porém gostoso de devorar.
Tudo porque não consegui achar esse famigerado livrinho aqui em BH, que fiquei super a fim de t(l)er, desde que soube de sua existência pela minha queridíssima Raquel. Pelo menos li o dela e então fiz uma compilação de alguns "melhores momentos" pra postar aqui. Lá vai:
  • Das devoções repetidas ad infinitum

Tudo começou nas beiras de caminho, postos de gasolina, caminhoneiros do Brasil. Uma rosa barata que vira calcinha, desconstruindo a lógica mais lírica, uma calcinha que dura no máximo um dia, dissolve-se no ar ou na boca, feito hóstia consagrada, amém.

  • De uma bonequinha de luxo e seus olhos lindamente pintados

Nada de acreditar nessa historinha de "você já é bonita com o que Deus lhe deu!". Dorival Caymmi, saravá meu pai!, é uma beleza de homem, sábio, mas esse verso, aqui neste catecismo, não soa bem aos ouvidos. Pinte esse rosto que eu gosto e que é só seu. Com todos aqueles lápis que fazem de você uma criança brincando de colorir o desejo.

  • No que concerne ao Lapsus Linguae

Aqui o lapso de língua diz respeito àquela criatura que preguiçosamente se debruça sobre a vulva ou o pau e não se devota, limitando-se a um mero favor sexual sem vigor ou alma. A burocratização do sagrado ato de sorver o objeto de desejo. Falta de manga na infância, no caso dos meninos; falta de espiga de milho cozido, no tocante às meninas.

  • De todas as glândulas do amor

(...) tudo é lindo e belamente dramático na foda, mecânica da carne que se enrosca, o pau come até a alma, paudurescência ad infinitum, o amor é mesmo o viagra do espírito.

  • De quão luxuosos podem ser as damas e os cavalheiros solitários

Nada mais elegante do que a solidão tranquila, um trago no balcão do bar, ninguém para encher o saco - a não ser os chatos que se multiplicam por aí, onipresentes, malas, malas, malas. Esses, porém, a gente se livra fácil, não voltam para os nossos lares doce lares.

Não que o amor não seja lindo. Nada disso. "Te amo, porra", bem sabes, como diria o Pereio.

É óbvio que vivemos grandes momentos envenenados por Cupido. O que faço nestas maltraçadas linhas é uma defesa da decência solitária, o direito até de esnobar com um "I want to be alone" à Greta Garbo.

De não se deixar adoecer pela ditadura da falsa felicidade publicitária!

De chegar em casa feliz, botar um disco novo, tomar um uísque... De cantar Antonio Maria da forma mais irônica, como ele também hoje cantaria: "Ninguém me ama/ninguém me quer/ninguém me chama/de Baudelaire..."

  • Do prazer como dever permanente do homem

"...a satisfação e o conforto das partes da mulher devem depender da acolhida que dão ao membro viril, e que o homem não deve conhecer descanso ou paz enquanto seu dever não tenha sido nobremente cumprido!" [D'O Jardim Perfumado, um manual erótico árabe, obra do xeque Nefzaui]

  • No que concerne a uma Valentina que pisou machucando com jeitinho

A gente é tão doido, e doído com acento agudo e tudo por uma pessoa, que a gente não sabe que pode chegar outra/o um dia. E sempre chega. Donde encosta a romana. A ruiva. Tão de outrora, Deus mio, aquela que eu havia conhecido dum simpósio da Unesco, 5, 6 anos atrás. Quase a Adriana do romance de Moravia, de tão puta, pois.

Eis que a moçoila, agora na flor dos 30, ou quase, volta a São Paulo, para uma felicidade tão rara. Como pode fazer um homem velho tão feliz, mesmo tão rápido. Doído era aquele avião partindo e ela chorando por nós dois, italiana, caralho, não suporto despedidas... aquelas botas, tão Crepax, tão Valentina, tão pendor milanesa, e as nossas phodas em espanhol caricato, tão gozadas e lindas, onomatopéias e babéis imperfeitas...

Thanks por fazer esquecer romances d'outrora, linda romana, jogo-lhe todas as moedas em tuas fontanas, como pode querer tanto um feio se és a mais bela?, a mais bela de todas???

Donde ela diz, graciosa, que voltou ao priapismo da velha Roma, que o mundo moderno a desacostumou dessas coisas...

Mas os aviões, o aeroporto, transformam qualquer ensaio de amor no amor mais phoda, o amor a jato a atingir as nuvens, o boeing, algodão de céus, o calor das despedidas que viram chuvas...

  • De um fragmento do cangaço amoroso

"Se eu soubesse que chorando/empato a tua viagem/meus olhos eram dois rios/que não te davam passagem." [Volta-Seca, cangaceiro do bando de Lampião]

  • Do termo balzaquiana e o uso adequado nos novos tempos (porque o Ronaldo Salame havia me dito exatamente isso, quando inaugurei este blog, usando essa palavra no subtítulo. Aí concordei e tirei.)

Onde lia-se uma mulher de 30 anos, como na época do velho e bom Honoré de Balzac, leia-se uma mulher de 45 em diante. Além do avanço da cosmética e da beleza para o rosto da mulher, o espírito, mais livre, é outro. (Yeah!)

  • Da beleza sem igual das saboneteiras (= ossinhos logo abaixo dos ombros, aos desavisados)

Das lições de anatomia, essa é uma das mais belas. Aqueles ossinhos prontos a receber, como recitaria Manuel Bandeira, sabonetes Araxás. As lindas moças dos sabonetes Araxás. Ali guardamos também nossos desejos ensaboados, aqueles desejos que ainda carecem da mínima convicção, mas logo logo nos põem caídos aos vossos pés, devidamente abaixados.

  • De um haicai surgido de queixa ouvida na porta do banheiro feminino

Ah, cadê os homens? Tanto gasto em cremes... E ninguém me Lancome.

  • No que concerne a um gracioso diálogo com uma aprendiz de devassa

- Você cospe ou engole?

- Eu só não engulo desaforo, o resto é manjar dos deuses!

Nenhum comentário: