terça-feira, 26 de agosto de 2008

Gancho pra Drummond: Cantiga de Enganar

O mundo não vale o mundo, meu bem.
Eu plantei um pé-de-sono,brotaram vinte roseiras.
Se me cortei nelas todas e se todas me tingiram
de um vago sangue jorrado ao capricho dos espinhos,
não foi culpa de ninguém.
O mundo, meu bem, não vale a pena,
e a face serena vale a face torturada.
Há muito aprendi a rir, de quê? de mim? ou de nada?
O mundo, valer não vale.
(...)
O mundo não tem sentido.
O mundo e suas canções de timbre mais comovido estão calados,
e a fala que de uma para outra sala ouvimos em certo instante
é silêncio que faz eco e que volta a ser silêncio
no negrume circundante.
Silêncio: que quer dizer?
Que diz a boca do mundo?
Meu bem, o mundo é fechado, se não for antes vazio.
O mundo é talvez: e é só.
Talvez nem seja talvez.
O mundo não vale a pena, mas a pena não existe. (...)
Façamos, meu bem, de conta — mas a conta não existe — que é tudo como se fosse, ou que, se fora, não era. Meu bem, usemos palavras, façamos mundos: idéias.
Deixemos o mundo aos outros já que o querem gastar.
Meu bem, sejamos fortíssimos
— mas a força não existe — e na mais pura mentira
do mundo que se desmente, recortemos nossa imagem,
mais ilusória que tudo, pois haverá maior falso que imaginar-se alguém vivo,
como se um sonho pudesse dar-nos o gosto do sonho?
Mas o sonho não existe. Meu bem, assim acordados,
assim lúcidos, severos, ou assim abandonados,
deixando-nos à deriva levar na palma do tempo
— mas o tempo não existe — sejamos como se fôramos
num mundo que fosse: o Mundo.
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Posso, sem armas, revoltar-me?

[Minha frase preferida de "A flor e a náusea"]
[Ah, tem essa tb: Todos os homens voltam para casa.
Estão menos livres mas levam jornais e soletram o mundo,
sabendo que o perdem.]

Eu não quero perder. De novo.

2 comentários:

Anônimo disse...

e eu querendo perder tanta coisa...

Dri disse...

Ai, ai... ema, ema, ema...

;P