terça-feira, 26 de maio de 2009

Desesperança

- Por que você toma tanto calmante? perguntou ele sorrindo.

- Ah, disse ela com simplicidade, é assim: vamos dizer que uma pessoa estivesse gritando e então a outra pessoa punha um travesseiro na boca da outra para não se ouvir o grito. Pois quando eu tomo calmante, eu não ouço meu grito, sei que estou gritando mas não ouço, é assim, disse ela ajeitando a saia.
Embaraçado com a confidência dolorosa que ela fizera sem nenhuma dor, ele riu. Ermelinda notou de repente seu olhar, interrompeu-se, tomou consciência de si mesma - "sou alguém que faz outra pessoa me ver" - e fez um rosto falsamente animado, representando o papel que na certa ele esperava dela. Mas inesperadamente, como se dessa vez ela tivesse ouvido o próprio grito, disse-lhe intensa, dura, sem nenhuma esperança:

- Eu te amo.

- Sim, disse ele depois de uma pausa.

Ambos ficaram um instante calados, esperando que morresse a ressonância do que ela dissera.

(Trecho de "A maçã no escuro", de Clarice)

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